Páginas

Minha vida de "chefa"

- Se tu fosse homem te mandaria pro inferno, mesmo sabendo que perderia o emprego. Como tu é mulher...
O resto da frase pairou entre nós. Não sem antes entrar no meu sangue feminista e provocar uma revolução na cor do meu rosto. Gaúcho machista! Nos olhos dele, faíscas raivosas que gritavam: lugar de mulher é no fogão.
Contei até o congestionamento do rosto passar. Pedi a ele que se sentasse. Sentou-se. Tenso, raivoso, mas contido. De repente, deu uma vontade enorme de rir daquele homem de quase dois metros se contendo para não soltar um palavrão. Porque estava na frente de uma mulher. Mesmo que esta mulher fosse uma baixinha metida a saber de estradas e caminhões. Um sacrilégio, com certeza.
Ao perceber tudo isso, relaxei. Não engulo machismos, mas tinha que reconhecer: não era fácil para um gajo de estrada conter a língua. Menos ainda receber ordens de uma mulher. Resolvi mudar de atitude. Eu não precisava provar que era hierarquicamente superior a ele. E seria fácil demais dar-lhe um ultimato. Difícil seria ensinar-lhe uma maneira nova de lidar com as nossas dificuldades.
Ao invés de impor-lhe a minha decisão, entreguei a ele os meus problemas. Pedi-lhe que encontrasse uma solução em dez minutos – prazo que tínhamos para tomar uma decisão. Passado o prazo, mandei chamá-lo. Entrou com outra postura. Embora ainda tivesse o antigo e arraigado machismo no fundo dos olhos claros, havia um brilho novo: respeito profissional.
- Vou fazer o que tu quer.
Com um aceno de cabeça, desejei-lhe boa viagem e voltei aos meus papéis. Feliz. Mais que isso: com a sensação de vitória. Mais uma vez eu descobrira que contornar obstáculos é mais inteligente que bater de frente com eles. E respeito, a gente conquista.

* * *

Um belo fim de semana a todos! Beijos meus.



Midi: Serenata - Marcus Viana

Poetando

por que é lua cheia
e
lua cheia é espelho de loba,
vamos brincar de poetar?


luada

a lua no corpo
o corpo na cama:

desejo lambendo vontades
desejo beijando fantasias
desejo engasgando desejo

e a maldita distância
fechando bocas
cruzando pernas



Poetando junto

Esyath Barret:

"Desejo te desejar.
Desejar me faz fantasiar.
Existe algo mais excitante
que fantasias pecaminosas?
Mas o desejo de desejar...
Não te traz para perto de moá!"

Anne:

A noite pariu uma lua quase menina
Por trás da elevação não mais escura.
No teto da minha ilha
e acendeu a minha noite de insônia

Lua linda, tão sozinha.
Eu e ela
A cochicharmos segredos
nessa noite clara
nessa paz tão rara
sobre um amor tão puro

Wilson Guanais:

(OU NENHUMA DISTÂNCIA)

uma Loba
uma lua cheia
e...
um poema
sempre

: a menor
distância entre
dois
pontos

no Mistério.

Elis:

Momento lésbico.

Esparramo-me na lua.
Quem a fez tão bela?
São Jorge não foi.
Ele está preocupado em manter a glória de sua espada em riste
e com o seu cavalo branco...
Apenas eu e ela, e as estrelas.
No toque, nos sentimentos e na vontade de um amor maior que nós,
Identificamos-nos.
Mãos espalmadas na superfície branca...
Ambas macias, alvas, porque não trocarmos momentos de amor?

Cássio Amaral:

uivo a noite na madrugada
pra ficar de boa
a noite inteira.

Carito:

...tua lua cheia abaixo ensaia o trânsito livre mas é obscurecida pelo sinal fechado do cruzamento das tuas pernas pra que te quero fantasia abrindo a boca do desejo por um distante apenas...

ana. :

Lua.

Musa do poeta
lua avassaladora
seduz minha alma.

Rafaela Silva Santos:

"Lua cheia e graciosa
Baila em nuvens vigiando
Cintila encantando
A noite escura e aleivosa."

Guto:

A lua que impera e que brilha alta no céu:
cumplice da Loba ela inspira os belos versos
e os desejos de Euza.


* * *

Beijos estrelados e noites de amor a todos vocês!



PS. todos os poemas deixados aqui (em 2007) estão postados neste endereço: Poetando com a Loba


Midi: I love my man - Billie Holiday

Página solta

Não são as grandes tragédias que me movem. Sinto-as, é bem verdade. Cada pedacinho da minha carne chora a dor que todos choram. Mas no fundo sei: choro as minhas dores. Aquelas que escondo sob camadas de véus e só me permito tirar quando posso misturá-las a outras.
Não que eu seja insensível às dores dos meus semelhantes. Mas na minha reconhecida impotência para lidar com o que está além de mim, volto-me para dentro. E cada emoção criada pela dor alheia, lembra uma emoção que guardei. Aos poucos viro rio. E nem tão aos poucos, seco. É só o tempo de virar ontem o que hoje me lembrou aquelas dores. É o meu processo de entendimento do mundo. Só assim consigo me sentir inteira para, no lugar do choro, colocar uma atitude de mudança. Só assim vou transformando tragédias em força, dores em passos.
E de passo em passo vou me distribuindo – para mim e para além de mim.


Poetando sobre:

Nelson:

Tenho um "mim" que não se aguenta
Explode "eu" em vários outros
Que já nem mais só em gentes
Estou também nas outras coisas

Diovvani:

"Melhor é ficar atento,
virar do avesso todo lamento.
Pois a cada instante damos adeus,
ao que fomos um segundo atrás".




* * *

Sejam bem vindos os novos: Ronald, André Luis, Afonso, Wagner. Sejam re-bem vindos aqueles que andavam sumidos. E àqueles que sempre me acompanham: meu carinho e meus agradecimentos.


Midi: Ne me quitte pas - Nina Simone

Se ler é o melhor remédio...

Hoje acordei querendo ler uma besteira qualquer. Uma história de amor, bem amor. Ou uma revista daquelas que não dão nó em neurônios ou que façam o pensamento saltar entrelinhas. E disse a mim mesma: hoje eu posso. Já fiz todos meus deveres de casa.
(Porque uma pessoa precisa respeitar seus dias de papel em branco. E deixar estes dias passarem despercebidos e anônimos e desconhecedores.)
Mas antes não pensava assim. Eu sempre me irritei e me entristeci e me compadeci com esta absoluta falta de leitura que ronda grande parte deste país. Algumas pessoas não lêem nada. Nem história de amor, bem amor. Nem receita de bolo-felicidade.
Então virei musa de caminhoneiros. E descobri que ficar irritada, entristecida, compadecida não muda a sintaxe do povo brasileiro. Nem me faz querer ser literariamente correta o tempo inteiro. E mudei. E comecei a pensar que ler qualquer coisa pode ser melhor que nunca ler nada. E que falar mal de subliteratura é olhar para o próprio umbigo e esquecer que nem todos os neurônios são preparados para devorar livros de grandes autores. Os neurônios que passam fome irão, no máximo, entender uma placa de sinalização. Aqueles que batalham para garantir o aprumo da coluna vertebral podem ir um pouco mais além. Mas raramente conseguirão passar das construções rudimentares de uma auto-ajuda, da linguagem infantilizada dos heróis de quadrinhos ou da legenda que abre a métrica de um corpo nu das revistas masculinas.
Culpa deles? Culpa minha? Culpa sua? Culpa das editoras que fecham espaço à poesia e entopem o mundo com Brunas Surfistinhas?
Seja como for, fica a pergunta: é melhor ler qualquer coisa do que nunca ler nada?



* * *

E por falar em neurônios, os meus estão esfumaçando com este blogger novo. Quer salvar uma alma ainda leitora? Me ensine a fazer os links abrirem em janelas diferentes, por favor!!!!

* * *

Ótima semana pra você. E meus beijos.

De Poesia, blogs e amigos


Aproveitando uma pergunta feita pelo poetamigo Francisco Dantas, o post que ganhei da querida Luma, o que li no blog do Lino Resende e no blog do Ricardo Rayol, volto ao tema que adoro: blogs.
Quando fiz meu primeiro blog, estava à procura de um espaço onde, anonimamente, pudesse fazer minha catarse. E fiz. Joguei na tela minhas neuras, meus anseios, minhas paixões. Surpresa, descobri que não só era assistida como acompanhada por um número crescente de pessoas. Pessoas diferentes entre si, mas que se viam em mim. E o mais surpreendente: eu me via em cada uma delas, embora acreditasse ser diferente de todas.
Aos poucos meu blog virou ponto de encontro. E foram muitos, interessantes, criativos encontros. E o blog passou a ter como grande objetivo a interação. Fiz grandes e belas amizades. Algumas, efêmeras. Outras, eternas. Em todas elas, as trocas, o carinho, a companhia.
Mas descobri que blog vai além disso. Muito além. É um grande instrumento de aprendizagem. E a professora rendeu-se. Virou aprendiz em tempo integral.
Foi aqui que fiz meus primeiros versos. Foi através do incentivo de amigos que ousei poetar. Eu que sempre amei poesia, mas nunca ousei fazê-la minha. A convivência com poetas como AdéliaTheresaCampos, Antoniel Campos, Assis Dantas, Assis Freitas, Benno Assmann, Carlili Vasconcelos, Cássio Amaral, Dácio Jaegger, Dora Vilela, ElisAlegria, Geórgia, Jeanete Ruaro, Linaldo Guedes, Luiz Tarciso, Márcia Maia, Rafael Nolli, Regis Marques, Val Freitas e muitos outros grandes poetas-blogueiros, me fez invejosa. Eu lia o que eles escreviam e me perguntava: por que não posso também escrever bonito assim?
E ousei. E me misturei a outros grandes poetas. E virei musa. E amei. E poetei. No início, daquele jeito desengonçado como criança que começa a andar. Depois aos poucos fui pegando o jeito do poema. Ajudada pelos amigos, incentivada pelos poetas.
Hoje, ainda que não me sinta verdadeiramente poeta, brinco com a Poesia de forma íntima. Sem nenhuma intenção de ser ótima, mas com todas as invejas possíveis de poetas como Bosco Sobreira, Erly Ricci e Wilson Guanais – três grandes incentivadores, musos e poetamigos.
Mas não cresci apenas na Poesia. A cada dia descubro que nada sei e que aprendo algo novo ao visitar os blogs da minha lista (que cresce numa ligeireza maior que meu tempo). Às vezes, uma palavra. Outras, uma frase. Uma indignação, uma catarse, uma estação – em todos me vejo descobrindo, aprendendo, me surpreendendo. E amando cada vez mais este espaço democrático, diverso e receptivo.
E todos os dias, me misturo a Fernando Pessoa na renovação da minha certeza: não sou nada, não posso ser nada, não quero ser nada. Mas tenho todos os blogs do mundo!

*(todos os amigos citados estão na lista aí do lado.
e todos os não-citados também)


Um grande beijo a todos.
(Especialmente aos que ainda não foram citados, mas que são muito importantes no meu dia-a-dia de blogueira)


SOS!!!!
Alguém sabe me ensinar como fazer meus links abrirem em janelas diferentes, neste blogger novo???


Midi: All of me - Billie Holiday

Mix

Há dias em que fico assim:
um tanto de vontades,
um tanto de idéias,
um tanto de palavras,

mas nada que preste para ser lido!


Mesmo assim furo a fila do tempo e venho aqui. E como estou no mais profundo do encantamento narcísico - afinal ser musa de livro é muito mais do que meu classificado sonhou - pensei em fazer um lindo post para o poeta que me imortalizou. Mas de lindo só tenho o desejo. Como nada sai além de palavras soltas, deixo-as ao vento dos primeiros dias de um inverno quente. Como agradecimento e homenagem a Wilson Guanais, o poeta-magia:

Desfecho

de tanto
embebedar-se
de sementes
regadas
em fio de navalha
o poeta
milagrou:

madurou frutos
onde a bela adormecida
planta bananeira
e flores de plástico



Mas como nem só de encantamento vive uma musa, peço licença ao sonho para perguntar à realidade:

O que pensam de nós os veneráveis anciãos do Senado brasileiro? Que somos um bando de idiotas?

E será que não somos?


Beijos mil!!!!

em concerto

no começo
foram notas
barrocas:

olhos
inventaram
promessas
de sons

depois
o desejo
deu o tom:

lábios
selaram
harmonia
do gosto

línguas
fizeram
o compasso
em sol
caos
stradivarius

e o beijo
se fez sinfonia
(eterna
enquanto
endorfina)

* * *

Mais uma vez, mil desculpas pelo meu sumiço. Os motivos são os de sempre: chatos, feios e pragmáticos. E a saudade, maior que a de sempre.

Beijos e Carpe Diem!

Sobre textos, viagens e comentários

Descobri porque detesto ler bula de remédio e manual de instrução! Mas a história é longa. Sente-se, relaxe e leia até onde aguentar.
Até outro dia eu me considerava uma péssima leitora. Não por não gostar de ler bulas e manuais de instrução. Nem por ler pouco. Leio demais. Tanto que leio até quando não posso. Mas por me sentir quase sempre na contramão das interpretações de um leitor normal.
Desde pequena, o livro é para mim um barco perdido no mar. Nele a viagem é sempre sem rumo, sem compromisso, sem pontuações. E ao terminar a leitura de um texto – seja ele grande ou pequeno, excepcional ou apenas razoável, prosa ou verso – sempre me vejo náufraga. Perdida. E cheia de milesetecentaseduas idéias. Até que coloco os pés no chão e descubro que a viagem foi tão longa que não percebi as intenções do autor.
É o que sempre acontece quando entro num blog. Leio, viajo e na hora de comentar percebo, lendo os demais comentários, que escorreguei na maionese. E saio meio mal, me sentindo ridícula ou louca. E deixando, quase sempre, um comentário genérico para não expor a minha loucura ou me expor ao ridículo de dizer besteiras.
Mas houve o outro dia. O dia em que li uma entrevista de Ricardo Piglia, na Revista EntreLivros (que a Taís querida me deu de presente). Foi como se eu me olhasse num espelho e descobrisse minha alma-leitora. Não sou uma péssima leitora. Talvez eu seja uma leitora ruim. Mas Piglia me convenceu que um leitor ruim é aquele que lê errado e que ler errado costuma ser muito produtivo. Ao ler errado tem-se a oportunidade de descobrir novos sentidos para a leitura. E encontrar novos sentidos é ter uma interpretação própria, que independe das intenções do autor ou do que outros possam ter apreendido da leitura.
Então, agora que sei que ser uma leitora ruim não é ruim, entendo também uma outra coisa. Entendo esta alegria incontida que sinto ao perceber que provoquei no meu leitor uma reação em forma de outro texto. Quando o meu texto - em prosa ou verso, bom ou ruim - é capaz de fazer com que alguém crie sobre ele, independente do sentido que eu quis dar a ele, me sinto autora, dona do meu próprio texto e dona da capacidade de instigar. Assim como fico maravilhada quando percebo, através dos comentários, as várias e diferentes interpretações que meu texto proporcionou. Algumas vezes, até me surpreendo ao perceber que o leitor foi muito além da minha intenção. E enriqueceu o texto com a sua visão diferenciada, com o sentido novo que criou.
Este talvez seja o melhor feedback que um autor possa receber.
(Percebeu porque a bula e o manual de instruções não me interessam? Imagina se eu resolvo dar um sentido outro ao que diz uma bula? Provavelmente morrerei intoxicada ou matarei alguém!)

PSs:

1. Meus muitos agradecimentos, cheios de beijos e carinho, ao poeta Wilson Guanais por ter me feito a musa do belo livro Um poema pra Loba. Não dá nem pra quantificar a minha alegria.
2. Milhões de agradecimentos ao professor-poeta-artista plástico Francisco Assis de Mello por ter me autorizado a usar e abusar de sua bela tela.
3. Meus beijos agradecidos ao poeta Bosco Sobreira que outra vez me ajudou a deixar o template como eu gosto.
4. Outros beijos também agradecidos ao poeta-irmão-querido Dacio Jaegger que continua sendo meu anjo-da-guarda-virtual!
5. E agora, agradecimentos à Dorita pelos tomatinhos estes
que distribuo a todos os blogs amigos, por gostar e admirar muito cada um deles.


Ótimos dias a todos. Beijos e carinho.

em redefinição

para Ser
preciso aceitar
impotências e calmarias
tempestades e girassóis
promessas e muralhas

para Ser
preciso enxergar
ratos e miragens
entranhas e oitavas
camélias e adagas

para Ser
preciso antes
me perder
e em novos
espelhos
me reconhecer

Poetando junto:

Esyath Barret:


"Te vejo no espelho?
Não!
O que enxergas,
é o espectro
do teu próprio reflexo,
que precisa ser
novamente o teu "tu",
em espelhadas definições!"

Jorge:


Ser ou não ser?
Eu não sei não
E nem busco resposta
Pra tamanha indagação.
Só sei que nada sei
E minha vida é indagação
Sou feito de duvidas muitas
Um eterno ponto de interrogação.

Mais amar

(ou Um quase plágio)

Quase seis da manhã. Preguiça e sono. Mas é preciso começar a luta diária de sair - sem traumas - dos aconchegantes braços de morfeu. Uma fagulha de realidade me lembra: é dia dos namorados. O vazio do meu lado direito me provoca: dia de vestir-se de poeta fingidora e fazer nascer aquele poema de amor - lírico e divino - que nunca me engravidou.
(Tenho neurônios. E mais de dois. Posso senti-los - ainda meio adormecidos, gripados e afônicos - trombando uns nos outros. Certeza idiota. Não consigo fazê-los funcionar a esta hora. Sem chances, até mesmo de tentar, o tal poema de amor.)
Mas é dia dos namorados. Olho o escuro do quarto e a única inspiração é plagiar, descaradamente, o D.Lê. Imagino o cheiro de café e me enrosco nas cobertas. Preguiçosa, busco na memória os homens que amei. Mas não há passado no verbo amar. "Amores serão sempre amáveis" - grita em plágio o lado esquerdo do peito. São amáveis, mas não amantes - a carne, em solitária vigília, responde. Então penso nestes homens que despertam a minha inquietude. E o amor ao amor sobrepõe-se à vontade de poema.
É tempo de conjugações no presente. Tempo de mais amar.

ocaso

por vezes
a tarde desbota

dos cantos da memória
surge em sépia
a saudade:

um barco sem vela
um raio poente
dois corpos
náufragos no amor

é quando perco
um pedaço das asas

em vôos cegos
rasgo a noite
e a falta de sentido
da apólice de seguro

por que deram
às minhas tardes
uma tábua de salvação?