Páginas

"Uma hora e mais outra"

"... a hora mais bela foi a mais triste, aquela em que mais precisaram da gente..."
QuincasB


Roubo de Drummond o título – sem a pretensão de roubar-lhe o talento – e de Quincas B a epígrafe, para dizer que estou tentando voltar. Outra vez com a vida virada de ponta-cabeça ( desconfio que eu seria muito mais competente, e certamente famosa, se tivesse escolhido ser uma malabarista de circo).
Estive muito doente. Melhorei. Mas sinto que nunca me curarei completamente. É o ônus de ter um filho em tudo parecido comigo, mas que lá na adolescência transformou-se em drogadicto. Desde então o fantasma da recaída nos ronda. Porque ela acontece. E quando acontece, como agora, toda a família adoece. É quando a gente descobre forças onde nem imagina existir. E recomeça. Seja de que ponto for, seja em que estágio estiver a doença. Sempre olhando para frente, na certeza de que nossas tragédias particulares, embora enormes e quase paralisantes, são ínfimas se comparadas aos sentimentos do mundo (de novo, Drummond).
Então, se não me curarei desta doença – seja ela uma simbiose, homeostase ou simplesmente medo, também não me submeto a ela. Portanto, estou em constante recomeçar. E neste recomeçar, ler tem uma importância capital. Li muito nestes dias em que estive equilibrando auroras e crepúsculos. Li Stendhal, li Borges, li Guimarães Rosa, li Manoel de Barros. E, principalmente, li Drummond, Leminski e Clarice – nem preciso dizer que este é meu trio preferido!
E li blogs. Muitos. Mas, apesar das minhas tentativas, a palavra não se fez minha: não consegui me fazer presente por onde andei. E escrevi muito também. Escrever é minha catarse. A forma de buscar o equilíbrio, a racionalidade quando tudo é emoção. Apesar de ter escrito muito, opto pela não publicação aqui até que consiga voltar a ser uma blogueira. Porque ser blogueira implica em estabelecer comunicação direta, implica em trocas, implica em acréscimos. Neste momento tenho pouco a acrescentar, embora muito a receber.
Mas sinto que não demorarei a voltar. E enquanto durar a ausência, fiquem com as palavras de quem sempre soube tê-las. Como dele já roubei o título, deixo trechos do poema. E aproveito para agradecer o carinho, a presença, a solidariedade de amigos que nunca vi, mas sempre amarei.

Trechos de “Uma hora e mais outra”
Livro A rosa do povo
De Carlos Drummond de Andrade

...

Amigo, não sabes
que existe amanhã?
...
Exato, amanhã
será outro dia.
Para ele viajas.
Vamos para ele.
Venceste o desgosto,
calcaste o indivíduo,
já teu passo avança
em terra diversa.
Teu passo, outros passos
ao lado do teu.
...
Tantos: grossos, brancos,
negros, rubros pés,
tortos ou lanhados,
fracos, retumbantes,
gravam no chão mole
marcas para sempre:
pois a hora mais bela
surge da mais triste
Há mais de uma semana não consigo comentar os blogs que leio, apesar das tentativas de visita que tenho feito. Minha rosa-dos-ventos está desvairada e perdi o norte. Porque não há nada que desnorteie mais uma mãe do que ter um filho internado. Desnorteia, desconcentra, descentra.
Por isso, o sumiço.
E também por isso, estou extremamente agradecida a quem, apesar da minha ausência, esteve aqui nos últimos dias:
A gata por um fio, Adelaide, Ádina, Afonso, Alexandre Alf, Ana, André Luis, Andréa, Anne, Assis Freitas, Bia, Bosco Sobreira, Carol, Ceci, Cherry, Clarice, Claudia, Claudinha, Crys, Diovvani, Dirá, DO, Dora, Edson Marques, Elis, Esyath, Fábio Pinheiro, Fernanda, Francisco Dantas, Hermann, Jota, Ju, Lela, lu, Lu, lu(terceira), Marcelo, MM, Naeno, QuincasB, Rafaela, Ray, Ricardo Rayol, Rubens Ribeiro, Sanka, Saramar, Shi, Shumy, Silêncios do coração, Simone, Taís, Wilson Guanais.

Meus agradecimentos especiais ao Jota pelo afago que me fez (sempre faz) em seu blog!!!!

Volto. Quando os ventos de uma nova primavera soprarem em mim. Mesmo que ainda seja inverno!




Beijos a todos. Ótimos dias!



midi: noites com sol - flávio venturini


Emoção e Indignação

“É direito inalienável de todo cidadão se indignar com o que acontece no seu quotidiano”
Antigo provérbio austro-húngaro-otomano pinçado do blog Jus Indignatus


Grandes tragédias emocionam, indignam, causam inúmeras polêmicas. A tragédia do Vôo JJ 3054, acontecida no dia 17 de julho, emocionou a mim da mesma forma que à maioria dos brasileiros.
Mas vou seguir um desvio. E falar da minha indignação cotidiana. Não tão majestosa, nem tão poderosamente estrondosa. A indignação de saber, mesmo sem ver, que um número assustador de vítimas é feito diariamente neste país. Vítimas de balas perdidas, vítimas de filhos da classe média, vítimas das drogas, vítimas das estradas, vítimas da fome, da falta de políticas públicas, do descaso de governos e sociedade civil, vítimas de uma sociedade elitista que consegue se mobilizar para criar o movimento “cansei” – movimento político-partidário elitista - e é incapaz de mobilizar-se para combater a injustiça social – a maior tragédia deste país.
Fica aqui a minha solidariedade aos parentes e amigos das vítimas do Vôo JJ 3054 . E a minha emoção e indignação sempre crescente pelo fechar de olhos em relação às pequenas, constantes e dolorosas tragédias cotidianas.

(Não sei se posso dizer que este texto faz parte da blogagem coletiva proposta pelo Ricardo Rayol do Jus Indignatus. Com certeza foi inspirado na proposta)


Continuo juntando minha voz a Chico e Milton para pedir ao Pai que afaste de nós este Cálice!