Páginas

Saber ser feliz

Éramos eu e ela. E o barulho rumorento de centro de cidade. Ela falava, eu escutava. Vez ou outra abanava a cabeça em concordância. Ou a balançava discordando. Sem espaço para voz. Ela me chamara para ouvi-la, apenas ouvi-la – eu descobria naquela hora.
Após uma descontrolada enxurrada de palavras, algumas caretas, arregalar de olhos e voz em falsete, ela começou a chorar. E eu ali. Olhando-a e me perguntando que atitude tomar. As palavras faziam cócegas nas minhas cordas vocais. O bom senso me dizia para esperar. E o coração, derretido, pedia-me para dar-lhe colo.
Alguns poucos minutos de lágrimas e ela me olhou desafiante:
- Entendeu por que não quero mais ouvir falar em felicidade? Se isso existe, não foi feito pra mim.
Eu sabia que deveria sair do estado cataléptico em que me encontrava. Era a minha vez de entrar em cena. Talvez, assumir aquele ar compreensivo e maternal que tantas vezes usei com meus alunos. Mas, estranho, descobri que não conseguia sentir carinho por ela. Não naquele momento.
Ao invés de responder-lhe, fiz sinal à garçonete. Pedi outro suco. E olhei à minha volta. Sem nenhuma vontade de olhar para ela. Sem nenhuma vontade de discutir felicidade.
- Parece que você não escutou nada do que eu disse.
- Escutei, claro. E parece que fez bem a você falar sobre tudo isso, né?
- Mas é só isso que você tem a me dizer? Que amiga é você? Não vê que estou desesperada e precisando de ajuda?
- Escutar e calar-se, às vezes, é o gesto mais amigo que alguém pode ter.
- Que merda! Não foi pra ouvir isso que te chamei aqui!
- Ok. Então vamos embora. Tenho que voltar ao trabalho.
- Pelo amor de Deus!!! Não vai me deixar aqui neste desespero, vai? O que faço?
Sorri. Sem nenhuma felicidade. Também sem nenhuma vontade de continuar aquele papo. Maldade minha, pensei. Ela espera a minha mão amiga. Mas já passou da hora desta criatura parar de olhar para o próprio umbigo e começar a crescer.
- Aninha, se você estivesse me pedindo uma grana emprestada, ou estivesse precisando de ajuda para um trabalho ou algo parecido, seria fácil. Mas ensiná-la a ser feliz é impossível minha amiga.
- Mas tem que existir uma explicação pra tanta infelicidade. Quero que me ajude a entender isso, compreende?
- Não tenho respostas pra isso, Aninha. Você é que precisa encontrar suas respostas. Talvez precise aprender a olhar à sua volta. Quem sabe assim você se descubra muito menos infeliz?
- Porque felicidade, minha querida, não é um objeto perdido que precisa ser desesperadamente encontrado. Nem um sentimento que precisa ser pensado. Felicidade a gente vive. No agora, nas coisas pequenas, nos gestos, nas atitudes. Felicidade é percepção. De si mesmo e do seu entorno. E, especialmente, felicidade não está lá fora, em alguma coisa ou em alguém. Está dentro de cada um de nós.
A conversa ainda durou mais alguns minutos. Até que dei por encerrado o papo. Meu tempo havia acabado. E eu estava aliviada por ter conseguido devolver a ela a carga que a ela pertencia.
Porque é função nossa de cada dia saber viver. E saber viver é também saber ser feliz.


* * *
Beijo e carinho. Pra você!

0 comentários:

Postar um comentário