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Proseando

Helena, uma das faxineiras que trabalham comigo, tem um filho autista. Descobri antes mesmo que ela soubesse o que é autismo.
Dia destes, pediu-me para levá-lo para o trabalho - a vizinha não poderia tomar conta dele. Levou-o. Um garoto miúdo e sério. Parecia ter uns 4 anos. Passou toda a manhã num cantinho do corredor brincando com umas caixinhas.
Por várias vezes passei por ele. Em algumas, brinquei, fiz carinho em sua cabeça, mas ele pareceu nem me ver. E eu, de lá para cá nas minhas várias demandas, achei uma gracinha que ele não interferisse na rotina da empresa. Até que ouvi gritos estridentes vindos do corredor. Era hora do almoço e Helena estava tentando tirá-lo do seu mundinho para almoçar. A cena foi terrível. O garoto gritando, chorando e chutando. A mãe segurando seu braço com uma mão e com a outra alternando tapas e beliscões.
Minha reação foi imediata. Garanti a volta do garoto às suas caixinhas e levei Helena para minha sala. Em poucos minutos, tive a confirmação: ele era autista e ela não tinha a menor idéia do que vinha a ser isso, menos ainda de como lidar com o filho. Entre palavras cortadas por um choro cansado, contou-me um pouco de como vivia e do “castigo que era ter um filho esquisito”.
Pensei naquela mulher ganhando o salário mínimo, morando num barraco de dois cômodos com 3 filhos pequenos, sem nenhuma perspectiva de uma vida melhor. Toda minha disposição de condená-la pelo que fizera ao filho virou impotência. Como julgar, pelos meus parâmetros, alguém que apanhou da vida desde que nascera?! Como querer que ela entenda que filhos, diferentes ou não, são presentes e não castigo?! Como esperar que ela saiba que quem ama não bate, se todo o modelo que teve foi exatamente o contrário?!
Respirando fundo, disse a ela o que foi possível naquele momento. Mas eu sabia que era muito pouco. Era apenas uma tentativa de diminuir minha própria impotência.
Desde então, venho buscando parar de me preocupar com isso e me ocupar efetivamente de algo que possa mudar gradativamente esta realidade. Educação. Não há outra saída senão educar crianças e reeducar adultos. O desafio é convencer os patrões de que devem investir na reeducação de seus empregados e convencer os empregados de que mudar não dói. E pode trazer novas perspectivas para a vida de todos.
Será que estou novamente perdendo asas num sonho irrealizável?

Midi: A vida que a gente leva - Leila Pinheiro

14 comentários:

  1. é... tem hora q é feito poesia: a gente cala. depois, respirado fundo, aparecem as alternativas d ñ se ver impotente diante dessas coisas. eu, como filha única, sempre fui sozinha em casa e minha mãe era enfermeira, ñ parava em casa, daí a alternativa q eu tinha para brincadeiras e amores, eram as filhas das empregadas domésticas que passaram pela minha casa... lembro q minha mãe sempre se preocupou bastante com a educação dessas amiguinhas minhas, mais especificamente d três delas, e q, eqto estavam por perto, gozaram d mais harmonia, oportunidades.. mas aí, as coisas foram se perdendo pelo caminho, as empregadas foram mudando, hj, duas dessas amiguinhas jah são mães e a outra está a caminho... só eu, estou aqi, fzendo graduação, pq fui resguardada pelo ambiente q minha mãe construiu pra mim... elas fizeram parte desse ambiente, mas hj, pouco sei d como estão e pouco posso fzer por elas, além d mero assistencialismo... lembro q qeria q uma delas fosse morar comigo e mainha, "pra sempre", eu dizia... mas enfim...
    tente, qem sabe? acho q td, d certa maneira, é válido no estado d coisa em q estamos...
    grand bjo pra vc, e mndo daqi tds as forças pra vc, viu?

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  2. As dores do mundo, as vezes não as percebemos. Elas podem passar ao nosso lado e não ser visíveis, mas estão sempre presentes. Quando invadem nossa vida, as nossas dores parecem tão pequenas.
    Podemos tentar amenizar a dor alheia. Sempre será melhor que nada fazer. É o que nos cabe pelo privilégio de termos nascido em uma situação melhor.
    'Beijinho' Lobita

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  3. 'misquecí' de dizer que a midi é maravilhosa.... "a gente leva da vida a vida que a gente leva". Frase sujeita a diversas interpretações, né?

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  4. Anjos têm asas para isso,querida...que belo sonho o teu...e contagiante!Bjaum

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  5. minha cara amiga.
    Por isso e por outras coisas, te admiro.
    tens bom coração e esta é a melhor qualidade que o ser humano pode ter.
    estende a mão, amiga, o resto Deus provê.

    te beijo

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  6. Tu Loba, não tens idéia da dimensão que o teu texto me tocou,...Beijo

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  7. Eu nnca sei o que falar quando o assunto é filho e as situações que enfrentamos por conta deles, ó. É que a gente só sabe que fogo queima MESMO quando sente as fagulhas na pele, né? :-S Bjão!

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  8. Poxa,LOBA,tão bonita sua atitude. Tão rara nos mundos de hoje.
    Não entendi pq vc estaria perdendo asas???


    Beijão!!

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  9. Oi Loba, os sonhos são alegrias fantasiosas que vivemos ontem, hoje e viveremos amanhã. São as alegrias que buscamos em nossos sonhos e possibilidades, que tornam os seres humanos em guerreiros e vitoriosos. Educar, reeducar, sempre vale a pena, é preciso e urgente, pena que somos omissos.
    Aplaudo a tua atitude certa e surpreedente. Acredito que ter um filho autista e não poder receber dele o retorno, é de fato doloroso. A vida se encarrega de abrir nossos olhos e colocar vontade em nossos corações. Haverá dias, momentos em que tomaremos iniciativas decisivas onde consequentemente descobriremos nossos dons, nossos instintos.
    Beijo minha guerreira.

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  10. Loba, enquando houver sonho, haverá esperança, eu acho. E você tem razão: tudo passa pela educação. Mais uma vez você nos presenteia com um texto comovente. Agora, quero falar que simplesmente me apaixonei pela poesia do post anterior. Fiquei lendo e relendo sem parar, ela realmente me pegou. O que eu amo em poesia é isso: esta possibilidade de tocar a alma. Bom final de semana. Beijo.

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  11. Espero que de irrealizável seu sonho não tenha nada.Senão ficarei muitíssimo frustrada
    Abraço!

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  12. Queria me fazer chorar? Conseguiu...E n�o consigo formular uma frase com nexo, diante do texto e de sua atitude.
    Posso s� abra�-la, em sil�ncio?
    E beij�-la?
    Dora

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  13. loba, se para quem tem posses já é algo inimaginável imagine para uma pessoa assim. Não só a educação mas uma política pública realmente social. Ao invés de roubarem e desviarem o dinheiro de nossos impostos educar, sanear, proteger e realmente se importarem com a saúde pública. Triste prosa esta.

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  14. Loba...
    Emocionante.
    Beijos Poéticos.
    ;**

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